• Território Hostil (Diário)

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    Domingo nosso candigato Haddadão não foi eleito, mas houve comemoração histérica da vitória histórica do Lula. Fizemos a festa em Dracena, grande catarse em meio ao campo minado.

    Há nisso um paralelo ao fato de termos ido buscar nossas primeiras 50 mudas no território hostil de uma usina sucroalcooleira. Estamos plantando, na base do enxadão, da cavadeira e da simpática vanga, um bosque entre nossa casa e esse feio processo da cana que avança a olhos nus pela janela da cozinha. Também nós avançamos nós numa grande horta circular, tudo sob a batuta da batutíssima Naná, às vezes com auxílio da maravilhosa Isa e também do figurasso Vardo. O Vardo nos contou que o motivo da usina ter arrendado um terreno tão pequeno, que certamente derramará seu veneno sobre o córrego que acaba de ver rebrotar uma nascente e perturbará toda a vizinhança de microorganismos, plantinhas, animais e seres humanos, é apenas o monopólio de território. E a raiva borbulhando aqui dentro.

    Comecei a pintar o Vardo há um par de anos e lá está a tela, enrolada. Com meu autorretrato pagão também me enrolei, assim como com a tela da Janaína, cujo período de finalização se estica que nem chiclete. Porém, consegui esses dias retratar a óleo o Roger, que posou para mim por quatro horas!

    Pensamos em transformar a garagem em ateliê. Dentro do meu tubo de papel kraft, encontrei um ninho de aranhas, e embaixo de uma caixa de tranqueiras, uma dispersão radial de formigas-de-fogo. Para onde terão ido? Salve-se quem puder!

    Hoje André e Cris viriam nos visitar. Por conta dos bloqueios de gente com bloqueio mental, provavelmente teremos de adiar essa viagem. Veremos ao longo do dia, mas a balbúrdia não anima. Fiquei triste.

    Hoje prendi sem querer a patinha da Furikake na cômoda, que é zona proibida justamente por medo que tenho de esmagá-la e à Grumixama entre as gavetas pesadas. Ela deu um berro lacerante e fugiu de mim com um olhar que só pode ser descrito como A Traição Original. Agora está dentro da caixinha, dormindo, e não sei se já terá esquecido do ocorrido (serão os gatos capazes de superar o remorso?). Aproveitei para chorar pelas duas frustrações.

    O véu depressivo que se apossou de mim desde setembro levantou um pouco, mas sigo com medo, extremamente ansiosa e confusa.

    Ontem tive uma deliciosa e longa conversa com a Ló – ela concluiu nosso papo, que desconectou muitas vezes por conta das lufadas de vento de 50 km/h que levam embora o sinal da internet, categoricamente: “me recuso a fazer outra ligação pra falar de peido”.

    Sempre sua,
    Popinhas

    p.s.: viva, a gata me perdoou!

  • Funambulismo

    Funambulismo (detalhe)/
    original disponível, fale comigo para saber mais

    Eu gosto de escrever.

    Em geral escrevo quando surge a necessidade premente de articular um sentimento. Menos frequente, ou talvez seja a mesma coisa, quando bate a inspiração. Mas é difícil decidir o que escrever com o intuito de publicar (no sentido de tornar público), porque o texto parece possuir um caráter muito definitivo. Por esse mesmo motivo, vivendo há anos longe de pessoas próximas e conversando majoritariamente por mensagens de texto, costumo pensar duas, três, quatro vezes e terminar em silêncio, porque as coisas da vida passam, mas as palavras permanecem. Poderíamos argumentar que o desenho e a pintura, meios nos quais encontrei uma voz, também têm esse caráter perene, ora cauterizado. O que lhes falta, felizmente, é o paradoxo afiado e fatal exclusivo à palavra.

    Durante minha pesquisa de mestrado, entrava em diversas crises ao ler um texto do século XVIII e ser transportada para o zeitgeist respectivo, quando as mulheres eram enlouquecidas e queimadas nas fogueiras por ficarem loucas, por exemplo. Um texto escrito no presente sempre será lido no presente, mesmo que o paradigma da época se transforme, ou, mais rápido, a pessoa deixe de pensar o que pensava quando o escreveu. Ou sentir.

    Ando particularmente atravessada pelas palavras alheias (escrevi alheiras! Uma latência portuguesa que me fez rir). Não me incomoda essa minha porosidade (emprestando o termo de uma amiga querida), mas sim as coisas que não acredito e que estacionaram em mim por semanas, meses, até que me esqueci no que acredito ou não, ou como se acredita em primeiro lugar. Suponho que também isso seja bom, porque de certezas morre encalhado o burro. O que me preocupa é que essa descrença acarrete numa falta de ousadia prematura, em calar a boca, a mente e o coração, e isso num período em que parece premente não só articular um sentimento, mas sim agir concretamente. No entanto, com aparências, pareceres e seu manto furta-cor… é preciso atenção. Então, novamente me volto para o que acredito, ou por um instante acredito, à potência silenciosa da inação, da contemplação e da concomitância do paradoxo – justamente aonde mora o poder da palavra, que ela domina e nos empresta – para então deparar-me com a mesma encruzilhada do começo deste trajeto retórico. Eu já estive aqui. Eu estarei aqui de novo.

    Eu não sei se devo lançar-me justamente agora nessa empreitada de lançar mais conteúdo, mais palavras no mundo, porque não consigo distinguir se é mais ruído, mais um berro inofensivo estilhaçado em mil projéteis que atravessam a outrem como o fazem a mim, ou se… a alternativa, que talvez seja a mesma coisa. O risco ambíguo e paradoxal da palavra é sempre atravessar os outros. Eu acredito, ou lembro que acredito, na responsabilidade fundamental da artista: uma obra de arte possui poder transformador; o obrar, por isso, é terapêutico, mas a obra não deverá jamais ser a terapia; e uma obra de arte, uma vez criada, é o seu próprio domínio. Enquanto tentarei para sempre honrar esse meu compromisso severamente autoimposto e regulado, não cabe a mim decidir e nem controlar o que acontece com a palavra quando, liberta, atravessa alguém. Mas uma pergunta essencial permanece: pode um blog ser uma obra de arte? Não faço ideia, mas vamos tentar descobrir!

    Enfim: o milagre da palavra é possuir a resposta e a pergunta em seu âmago, definitiva mas indefinida, por toda a eternidade.

    Sempre sua,
    Popinhas

    p.s.:

    domingo

    30

    é dia

    13

  • Espaço

    Eu chupei o dedo até aos 13 anos e às vezes ainda sinto falta (2022)/
    original vendido

    Se você chegou aqui, primeiro, as boas vindas. Obrigada pela visita! Espero que você volte sempre, sinta-se em casa, troque ideias comigo. Se você não me conhece, me conte como chegou aqui que vou gostar de saber! E se sim, eba, que bom te ter por perto.

    Vou contar um pouco desse projeto que começo agora, do que pretendo e do que espero. O resto virá certamente por conta própria (sejam mutações, uma estruturação maior, ou o seu fim). A ideia é criar um espaço virtual onde, de tempos em tempos, eu articule uma imagem, seja desenho ou pintura, com um texto curto, seja pensamento solto, amarrado ou poema, por meio de um tema comum. Os originais estarão também à venda, para quem tiver interesse.

    Esse desejo por um espaço fora das redes sociais e que seja mais gostoso de habitar começou por conta da querida Nathália, uma amiga talentosa demais que me apresentou a algo chamado Digital Garden (fica aliás a enfática recomendação da sua newsletter, outra grande inspiração para bolar esse espaço). Em junho desse ano, ela e seu companheiro Lucas, também amigo do peito, vieram nos visitar aqui em casa, rendendo longas e deliciosas conversas. Entre elas, essa história do Jardim Digital: grosso modo, seria um espaço online para se criar o seu “jardim”, cujas mudinhas são registros, estudos, acontecenças em acontecimento e incompletudes de um modo geral. Com o tempo elas vão crescendo, sendo podadas, criando vida própria, propagando por outros jardins. Me caiu bem a mistura da jardinagem – no qual com muita ajuda do Roger e da mui amada e super jardineira/ jornalista/ palhaça Naélia, timidamente começo a me aventurar – com um ambiente virtual, que sempre foi e, desconfio, sempre será minha zona de conforto.

    O desenho que encabeça esse post surgiu de uma proposta da minha psicóloga: mirar para a infância de dentro de uma casa capaz de abrigá-la. Ando pensando muito em espaços, em poder, ou não, ocupar espaço, em haver espaço para heterogeneidade no Brasil e em sua internet, ou não, em como cuidar de um espaço em que se vive.

    Eu adoro a internet e as coisas que ela possibilita, mesmo com suas idiossincrasias e horrores (que ultimamente me assombram). Nos próximos meses, desejo explorar este ambiente e suas veredas, desintoxicando do mais nocivo das redes sociais, processando os desafios e conquistas da vida que estou tentando construir e exercitando talvez novos músculos criativos, em especial o campo da escrita, que me é muito caro e ferramenta de sobrevivência nas últimas semanas. Espero que você siga comigo nessa jornada, e que dela possamos colher gordos frutos de inusitados sabores.

    Sempre sua,
    Popinhas

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