Diário – Envelhecer

Covid/
original disponível, fale comigo para saber mais

(10/12/22)

Desde que cheguei de viagem que,

ao passar as mãos pelo rosto enquanto

pratico minha rotina de cuidados matinais,

percebo uma falta de elasticidade, uma aspereza e porosidade maior

na trama dos dias.

Creio que estou envelhecendo.

(08 a 16/12/22)

Tenho por costume anteceder minhas crises com “me sinto”. Talvez o faça para atenuar a infalibilidade de uma sentença seguida pelos tenebrosos estou, ou pior, sou – me sinto uma inútil, me sinto feia, me sinto velha, sinto que não sei quem eu sou, que eu devia fazer muito mais. Me sinto em eterna dívida.

Talvez seja por outro hábito adquirido, o de ponderar a impermanência de todas as coisas, mesmo dos tenebrosos estois e sois, por piores ou melhores que sejam. O vaivém hipnótico do pêndulo de um relógio de pé. Ou de um ilusionista de pé, com uma mulher histérica e deitada num divã. Me sinto em eterna dúvida.

São Paulo. Mais ou menos sem exceção, quando vou e volto de lá, passo por um período de dissociação. Parte psíquica e parte literal, pela condição sine qua non de viajar – a de separar-me dessa linda terra que venho chamando de lar. Há sempre o deleite de reunir-me com as minhas pessoas e viver suas aventuras. Porém, muitas das histórias que escolhi deixar para trás em troca de ser alguém capaz de existir no mundo parecem se converter em sua forma vaporosa e me subir pelo nariz junto com a feia fumaça, inflamando-me o juízo. Atualmente, me deparo com dois problemas dentro dessas escolhas.

Em primeiro lugar, ao distanciar-me temporal e geograficamente de meu passado, aprendi que a maioria das coisas relegadas ao expatriar-me são, infortunadamente, parte integral de meu corpo. São, é claro, o que mais me perturba mas, mais claro ainda, de onde tiro força. O que me confunde é ser sequestrada pelos fantasmas, perder agência, esquecer-me de quem sou (essa frágil e meticulosa construção, que anda precisando passar mais pelo hábito citado dois parágrafos acima).

Isso me leva ao segundo ponto, que trata-se de um embate com meu dever maior, que rogo para tornar-se meu devir, que é com a verdade. Como posso buscar ser de verdade, ser verdadeira e verdadeiramente ser, se escolho deixar para trás partes minhas em detrimento de outras mais nobres, ou talvez mais funcionais?

Por outro lado, tendo desde muito cedo vivido com depressões, ansiedades, culpas e pânicos titânicos, torna-se evidente como certos comportamentos, eventos ou fatos não pertencem mais ao presente, e uma vez vividos, é preciso abandonar a bagagem para que ela se transforme em memória.

Ainda me sinto, constantemente mas não sempre, um ser humano quebrado. O amigo e mestre Arlindo disse-me, quando cheguei em Portugal: a Mariana está fragmentada e em busca de reconstituir-se. Percebo agora, aos 35 anos, contornos surgindo neste quebra-cabeça, enquanto outras peças que foram enfiadas de qualquer jeito precisam ser desmontadas e reconsideradas perante o todo. Às vezes essa desordem tem lá o seu lugar, mas não o ignoro poder carregado pela alegria pura do encaixe perfeito.

Da Paraíba, só posso dizer que o futuro se torna passado rápido demais, tendo passado hoje pelo nosso cronograma de compromissos anteriores à viagem, e que já estou com saudades dos passeios com Diego e Meirinha, dos cocos doces a dois e cinquenta, do vento fresco e mar sereno, das lindas vistas, de conseguir descansar pela primeira vez em quatro anos. E o ponto essencial dessa crise parece-me vir aqui: devo lembrar que o passado sempre vem a ser de maneira insopitável, engolindo e reincidindo no presente, sobreposto pela memória em suas voltinhas e revoltas. Mas é algo concreto, apesar de sensacionalmente plástico, e só poderemos inventar dele de colher quaisquer futuros.

Sempre sua,
Popinhas

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