Diário® – 12/10/23

Pânico Tônico Clônico 2/
original indisponível, pois já pertence a alguém

(Este texto e o da semana passada foram feitos para processar algumas coisas, mas por leve incentivo da Priscila, resolvi compartilhar aqui. Observação: pode ser gatilhoso, fala sobre distúrbios de pânico e ansiedade.)

Tive um ataque de pânico durante a terapia desta semana, e me atingiu o curioso da visão espetacular que representa, sempre para os olhos dos outros – um ataque de origens histéricas? Rebatidas sempre no outro, implorando por ser limitada e extravasada ao mesmo tempo, deixar-se ir e deixar seu corpo para trás?

Explico-me: quando tenho esse ataque, não consigo me ver, estou dentro da prisão idiota e hiperalerta da minha cabeça-centrífuga. Costumo ter esse ataque quando estou com outra pessoa. Talvez porque para ela: socorro, me veja, me contenha; mas também porque, penso agora, não consigo conciliar um paradoxo interior, e muito menos conciliar seu aspecto interno com o escaldante externalizado da fala. Uma vergonha se entala entre a garganta e o coração, gerando algum engarrafamento no funcionamento harmônico do meu organismo.

O pânico tem este desenho:

Um predador está à espreita, a um só tempo dentro e fora de mim. Ele carrega em seu corpo a prova cabal de que posso* continuar viva, e por isso vem me matar e coletar minha alma, que lhe pertence. A evidência é a vergonha – de saber que vivo em tempo roubado, com recursos impróprios, com alegrias que não mereço. Nada é meu e nem pode sê-lo. Preciso fugir com esse tesouro para sempre, se quero continuar viva, o que quero, mas sei que essa vida não deveria ser minha. Dívida impagável.

Ele solta uma bomba na minha praça central, o pandemônio segue, uma guerra, o chão se abre e me engole. Meu corpo se estira e chacoalha inteiro com o impacto interno, preciso crescer, inflar como um balão para dar vazão à energia destrutiva que se liberta. Ao mesmo tempo, preciso me encolher inteira para proteger-me do que está do lado de fora – posição fetal, auto-abraço, sentir meu cheiro, tampar os olhos e os ouvidos, deixar de existir, voltar ao início de tudo; mas também fazer como o porco espinho ou o tatu-bola e se tornar uma armadura inviolável em espiral, como a tartaruga ou o caracol e voltar-se para dentro de seu corpo, que é uma fortaleza.

A incongruência é a energia no núcleo dessa bomba, que a perpetua; a pura impossibilidade, duas coisas que não cabem juntas, que se odeiam mutuamente, para sempre em guerra. O paradoxo não pode acontecer aqui, porque divino, porque perfeito. E no entanto, ele apenas é, o que alimenta mais ainda o fogo.

Ao ter o ataque durante a sessão, dentro da qual já abordei muitas vezes essas crises, mas as tive muito poucas, precisei soltar o celular para não segurar a descarga elétrica que segue, regida por ondas de choro e raiva intensos. Dessa vez senti um alívio muito grande de chorar algo que precisava ser chorado, apesar da vergonha maior que se seguiu.

É basicamente uma pirraça, igual às que tinha quando criança, possuindo grotescamente meu corpo de mulher adulta, seios caindo, rugas no rosto, cabelos brancos, perdendo tônus, paciência, fé.

Sinto o desejo de que a Priscila veja meu ataque de pânico para normatizá-lo enquanto profissional, mas ela não o poderá ver, pois não apareço no frame. Eu acho. Não estou com os olhos abertos para fora.

Algo agora me alertou no fundo da mente, um apito e uma luz vermelha que se acende. Acabo de me recordar dessa noite de sono, na qual dormi profundamente pela primeira vez em semanas, mas da qual acordei com um gosto amargo pelos caminhos percorridos no sonho e com dor de cabeça por apertar muito os dentes.

No sonho, a Priscila me denunciava, o dedo apontado feito pistola e as palavras incisivas feito bisturi**: a forma como suplico por sua aprovação e comprovação de que o que vivo é legítimo para não precisar jamais viver de fato, para viver na segurança da articulação controlada ao invés da experiência empírica e crua. Ela deixará de me atender por conta disso.

Selvagem. Colonizada. Ordem. Caos. Amor. Medo.

* No original eu cometi este ato falho: “posso”, ao invés de “não posso”. Achei representativo de um desejo de sobrevivência maior, e que valia por isso manter assim aqui

** (Coisa que jamais fez)

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